Será que vou trabalhar depois dos 50 anos?
Sobre o novo normal das carreiras e o etarismo
Como nossas redações em 2000 todas começavam com “com o advento da globalização”, os textos hoje iniciam com “depois da pandemia de Covid-19,...” . Mas não tem pra onde fugir.
Depois da pandemia de Covid-19, fomos expostos a uma nova maneira de pensar a carreira profissional. A geração anterior à nossa (considerando que você é millennial igual a mim) se apegava a um modelo de crescimento linear, baseado em formação acadêmica, primeiro emprego e quanto maior o tempo neste emprego, mais bem sucedido você seria.
Minha mãe trabalhou no mesmo lugar dos 18 aos 60+ anos (não lembro ao certo quando parou) e eu cresci com esse modelo de sucesso, não só por ela, mas como muitas outras pessoas ao meu redor. A ideia era escolher uma profissão e seguir nela até aposentar: uma vez professor, médico, advogado, para sempre professor, médico, advogado - ou no máximo alguma evolução disso, diretor de escola, diretor de hospital, juiz.
Não me lembro de ser comum pessoas se formarem em Química e evoluir para profissional de comunicação e marketing (ou qualquer outra mudança que te assuste também). Se você não sabe, o exemplo citado é a história da minha vida.
Nossa geração foi apresentada ao estilo de vida que não está escrito em pedra. Fomos estimulados exaustivamente a encontrar propósito no nosso trabalho, o que, para além da problemática do incentivo à produtividade incessante, nos leva à ideia de que devemos encontrar algum prazer, mínimo que seja, ali na nossa venda de mão de obra.
Esse prazer pode ser encarado também como saúde mental e bem estar no ambiente de trabalho (nenhum CNPJ vale um AVC, já dizem as redes sociais), a possibilidade de ter qualidade de vida concomitante a boletos pagos e também desafios laborais interessantes e dinamismo na rotina.
Na minha cabeça, uma consequência direta disso é a tendência de job hopping (se não tiver nome em inglês, não é tendência. Risos.) que descreve esse comportamento em que as pessoas permanecem menos de 2 anos em uma mesma empresa, segundo dados do Ministério do Trabalho em janeiro de 2023. Os mesmos dados indicam que pessoas com mais de 65 anos têm ficado no mesmo emprego por, em média, nove anos (certamente minha mãe contribuiu para aumentar a média).
Beleza, entendemos até aqui que, de maneira geral, é uma coisa boa essa movimentação em busca de bem estar na relação com o trabalho, até porque passamos a maior parte das nossas vidas nesse rolê. E também de descobrir o que se gosta de fazer, o seu propósito, experimentar novas carreiras, viver tudo que há pra viver. Daí sou impactada por outro dado que é de pirar as nossas cabeças (pelo menos a minha).
Uma pesquisa da empresa Ernst & Young e a agência Maturi de 2022, realizada em quase 200 empresas no Brasil indica que 78% das empresas consideram-se etaristas e têm barreiras para contratação de trabalhadores com mais de 50 anos.
E não só: a população brasileira está envelhecendo! Estimativas indicam que até 2040, seis em cada dez trabalhadores brasileiros terão mais de 45 anos de idade. Os números do IBGE mostram que, em 17 milhões de famílias brasileiras, o sustento econômico fica por conta de pessoas com mais de 60 anos.
Alguém se perguntou como o ser humano que buscou o seu propósito, se entregou ao coração, “abriu mão” de 20 de experiência em uma área para buscar outra que faz mais sentido para ele, hoje com 40+ e 5 anos de experiência na nova carreira, vai conseguir emprego se para os empregadores ele está… velho ?
Veja bem, o etarismo sempre foi um problema na nossa sociedade. Mas em 1980/90 a meta era manter o primeiro emprego para sempre, justamente para não ter que passar pelo caos que é procurar um novo emprego aos 50 anos. Mas se em 2020, a meta é realmente rever a sua carreira e, se precisar, mudar de emprego, esses dois comportamentos não combinam.
E, claro, devo fazer um disclaimer: o abrir mão de 20 anos de experiência está entre muitas aspas porque a memória nos faz seres contínuos e, portanto, não perdemos conhecimento e experiência porque mudamos de carreira, nós somamos conhecimento e experiência [aprendi isso depois de muita terapia]. Só que aparentemente o mercado de trabalho ignora isso aí.
Eu sou uma profissional muito mais madura hoje, com 5 anos de experiência em comunicação do que eu era quando tinha 10 anos de química nas costas. Porque o trabalho não é feito apenas de habilidades técnicas, não é mesmo? E eu precisei passar por tudo isso para perceber que eu posso ser muito melhor em outra função, faz parte da evolução do ser humano. É um negócio chamado vida, sabe?
Então, o que dizer sobre isso, Brasil? Se eu buscar ser melhor profissionalmente e vender minha força de trabalho com mais bem estar e qualidade de vida, tendo uma maior probabilidade de ser mais eficiente e produtiva aos 45 anos, você promete me contratar ? Beijos, querido.
Ahhhh! Para além dos receios: meu deus, quanta inspiração nessa tua fala, amiga! <3